sábado, 15 de fevereiro de 2014

O tédio



   Talvez eu precisasse de um novo mundo, eu poderia pensar em muitas frases iniciando com talvez, mas o que havia de certo como a morte pra quem vive era somente o tédio. Pensei que ele fosse desistir de mim se eu tivesse uma atitude positiva diante das coisas e da vida, que nada... quando eu acordava muda em busca do meu café, ele estava à mesa.
   Resolvi questioná-lo: “Que porra é essa? Nem bem acordei e você está na minha mesa?Intimidade é uma merda!” Ele se esquivava com respostas aborrecidas e lamuriosas, era meu inferno particular. No trabalho ele me seguia, me dava porções do sono que me roubava à noite, é difícil lutar contra o tédio quando se está esgotado.
   E aquele sanguessuga miserável não tinha a menor vontade de ir perturbar outro infeliz, ele usava terno e gravata, mas eu nunca havia visto uma roupa tão chinfrim, não era só gasta pelo uso, era chinfrim mesmo. Aquela pele macilenta era de doer, figura detestável, um demônio talvez pudesse ser mais agradável, eu não sabia, e ainda não sei se esse maldito era um demônio. Às vezes eu o ignorava e depois do trabalho não ia direto pra casa, eu gostava de música ao vivo, gostava de jazz e blues, gostava daquele bar(gostava...ainda não morri já falo do que me apraz no passado), porque o garçom me conhecia de outros carnavais e bastava olhar pra ele e eu sabia que meu gim com tônica estava a caminho.
Soltei o cabelo, tirei os óculos, relaxei e pensei no cigarro dentro da bolsa mas deixei pra lá enquanto olhava um cara tão cansado quanto eu, mas que tinha um sorriso que merecia uma segunda olhada, definitivamente merecia, alto, quando passou por mim eu senti o perfume amadeirado...cedro?  Ele me encarou do balcão, eu encarei de volta e sorri. Voltei pro meu gim e quando pousei o copo novamente na mesa, aquela figura asquerosa tava ali na minha mesa.
- Você não tira férias?
- Não. Não sou a favor de férias...
- É claro que não é... Agora falando sério, o dia já terminou a gente pode continuar isso amanhã...
- E o sorridente ali?
- O que tem ele?
- Aposto que vai vir com uma cantada escrota.
- Tá com ciúmes?
- Deveria? Eu tenho experiência no assunto, e ele tem cara de fracassado, notou que folgou a gravata? A vida dele deve tá uma merda. Feito a sua.
- O crédito é todo seu.
- Fico lisonjeado, mas você quer realmente perder tempo com mais um otário? Tudo bem que pelo seu histórico, eles são o seu fraco. Mas posso ver daqui, o último relacionamento dele foi traumático digamos assim...
- Como assim?
- Chifres. Ele não quer se envolver, vai falar do coração partido depois da segunda dose. Pessoalmente eu não acho que valha a pena...
   O cretino de pele macilenta se aproximou e cochichou:- Um cara assim sempre tem um desempenho meia-boca.
- Inferno! Quem disse que eu queria dormir com o cara? Não posso achar alguém simplesmente interessante?
- Ah, você pode tentar achar alguém interessante, mas sabe que tentar e conseguir são coisas bem diferentes, e cansada como você está...tudo que conseguiria era dormir mesmo.
- Foda-se, você e os seus achismos, eu vou pedir a conta e vou pra minha casa.
- Finalmente uma coisa inteligente!
   Fui até o balcão, paguei minha conta, meu amigo garçom perguntou por que eu estava indo embora tão cedo, que tocariam algumas do Coltrane e que a noite estava interessante (lançando um olhar discreto pro cara no balcão) pra mim. Tudo que consegui foi dar um meio sorriso, e explicar que eu não estava no clima. Pedi ao Barbosa para chamar um taxi pra mim.

   Eu poderia jurar que aquele desgraçado estava sorrindo...foram semanas assim, semanas que pareciam anos, noites de tortura psicológica e pesadelos, dias de trabalho abafados e quentes. Eu não via nada vagamente interessante. E não havia ninguém que combinasse as palavras interessante e interessado na mesma frase. Era tudo muito pouca coisa.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Abismos

Nesse silêncio antigo
Quase cabe um grito
Mas não é pranto
É só um gemido
Puro rito de dor
E nada tenho de santo
Deus, porque me enviastes tantos demônios?
Ah esse silêncio táctil cheio de palavras que morrem sem sequer chegar à boca.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Copo meio cheio.

E que venha só aquilo que valha
Não só à pena, mas um par de asas!
E que o amor apareça de maneira plena
Porque de nada valem as migalhas
Que a mente possa ser serena
E que o sorriso absolva as falhas
E quando o mundo resolver mostras as garras
Desejo não dar ouvidos à gente mal amada
Para assim seguir em frente e não estagnar por nada!
Quando eu estiver cansada e não conseguir crer em mais nada
Desejo que me mostrem que estou enganada
E que me digam que a vida vai ser sempre ter tudo e ter nada.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Recife, 20 de dezembro de 2013.

   Hoje mais um rei foi deposto e seus súditos embriagados de tristeza cantarão suas canções com uma tristeza nova, que é a de saber que partiu o rei dos traídos que choram mágoas de copo em punho em cada bar, contando para cada garçom desavisado o suficiente que foi deixado, traído e que mesmo assim, ainda ama alguém profundamente leviano, e que vai chorar sim, mesmo que o objeto de seu amor não valha sequer a lágrima de um bêbado magoado, e o novo amigo que serve a mesa vai acabar servido de confidente servindo também aquele choro a mais na dose do boêmio descontente.
   Rossi como todo bom músico de sua época, era fã dos Beatles, do cigarro careta e acreditava de coração que mágoa nenhuma sobreviveria quando era afogada em álcool. Ele cantava em francês e também na língua dos desiludidos do amor. Todo desiludido do amor amanheceu órfão hoje. E só por hoje, todos somos mudos. Ele cantou o nosso Recife e tinha aqui o seu refúgio. Reginaldo Rossi foi um rei próximo de seus súditos como poucos reis conseguem ser, ele era tão humano, que seu corpo pediu a dolorosa.
   Hoje é sexta e estaremos todos embriagados, contidos em nossa tristeza ou fazendo um novo amigo no bar. Chorando os amores que não nos amaram ou pulando de cabeça em mais um sentimento destrutivo e ordinário. Sabe amigo que me lê, o céu aqui no Recife é quase sempre azul e hoje o Recife está com um céu cinza, pálido, hoje todos nós e até mesmo os céus do Recife, comungam  na saudade que já se faz presente. Que Deus o guarde, e quando der, olhe por nós.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Das pessoas e bananas amadurecidas no carbureto.



Ando pensando bastante em Andy Warhol desde que Lou Reed morreu. Venho comparando determinadas pessoas com bananas amadurecidas no carbureto. Na Alemanha as bananas são horríveis segundo um amigo de lá, eu acho que é culpa dessa maturação forçada. Eu conheço pessoas horríveis aqui que me parecem amadurecidas no carbureto.
   Num dia elas tem discursos ferozes sobre sua dificuldade para confiar e dar amor, e, no entanto mal te viram as costas e aparecem plenas de paixão, escrevendo coisas românticas e estúpidas como disseram que eram incapazes de fazer e ainda mais de sentir. O fato é que não adianta lamentar; bananas de carbureto sempre estarão no mesmo cacho com outras bananas de carbureto e fatalmente a atração acontece, cedo ou tarde.
   Fico pensando na voz quase monocórdica do Lou interpretando “pale blue eyes” mantenho a voz em mente pra tentar não me alterar e escrever com a mente. Qual o objetivo dessa tentativa desgastante? É mais uma necessidade que um objetivo, pensar sobre bananas e pessoas amadurecidas no carbureto já me consumiu o suficiente, e eu não acho isso sozinha, me disseram até: “Foi melhor assim, estava lhe fazendo mal”.

   O ponto é; eu não sou boa em calar, e eu sou do tipo de pessoa que se machuca mesmo, que chega às vias de fato, que se arrebenta, e não por ter uma natureza masoquista, mas porque eu acho que só vale à pena viver tudo, sem reservas. A covardia diante da vida e do sentimento me frustra e me faz ser indiferente a qualquer apelo das almas que escolhem o purgatório seguro de uma vida mais ou menos. Entre pouco e nada, eu fico com nada.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Risco I

Deixe de tanto lamento
A vida é só um momento
Tudo o mais é perda de tempo.
Enxuga esses olhos
Olha pra vida de perto
Não pense tanto no que parece certo.
Aceite a mulher que já é,
Esteja de pé e crie coragem
E pare de pensar que a alegria é uma fragilidade.
Se apresse em ser tudo o que quer,
Se arrisque na aventura de ser essa mulher,
Tudo o mais é bobagem.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Clarice e eu.

Eu sempre evito citar Clarice nas redes sociais, não porque a obra dela não tenha sido de grande impacto na minha vida, mas talvez, por ter sido de grande impacto. Quando penso em Clarice Lispector algumas coisas me veem à cabeça: sangue, primeira menarca, poesia, fluxo de consciência, pecado.
Eu não sei o que parece a quem lê pela primeira vez essa minha lista de coisas que Clarice me trás, mas talvez eu seja capaz de esclarecer algumas; e começo pelo pecado; um trecho de um texto que li e me rasgou como um punhal: “... receba em teus braços o meu pecado de pensar...” pensei Eva, Virgínia, Pagu, eu e tantas mulheres sem nome, entretanto todas nós, pecadoras. Pecadoras desde o ventre, por querer mais, por abraçar o prazer e o grito, por não ser constituída de silêncios.
Fluxo de consciência, técnica usada por Clarice com maestria, fazendo com que seja impossível de lê-la somente, topar ler Clarice é dar às mãos a ela, e abraçar o que vier e bem, a linha de tempo não vai ajudar. Pra mim Clarice é poesia pura, eu acredito na prosa poética, no encantamento das palavras, e poesia pra mim sempre vai verter sangue. A primeira menarca, eu estava brincando de bonecas quando aconteceu a dor e a minha casa de mulheres estava feliz com esse “desabrochar” e eu me lembro de olhar aos prantos de dor e medo para a minha mãe que me olhava no chuveiro e perceber pela primeira vez que ela não ia me fazer parar de sangrar, e que aquela era só a primeira vez onde não havia o que ser feito que eu precisaria sangrar e abraçar toda dor pro resto da vida e estaria sozinha nisso, por mais que quisessem, ninguém sangraria por mim. E quando eu achei que havia entendido tudo, eu li a paixão segundo G.H. de Clarice e chorei novamente quando ela disse que temos que ter cuidado com os defeitos que cortamos em nós mesmos, porque nunca sabemos ao certo qual deles nos mantém de pé.

E foi um ano de folhas em branco. Um ano me fazendo de pedaços de silêncios, um ano para aceitar minhas falhas como parte de mim e poder escrever novamente. Por isso evito citar Clarice. Seria desnudar demais a minha história sacar da manga uma frase sua pra cada vez que um qualquer machucasse meu coração.